Casas de apostas esportivas são regulamentadas
Casas de apostas esportivas são regulamentadas
Governo Federal avança na regulamentação dos fluxos de pagamento e autorizações de funcionamento das Casas de Apostas Esportivas
Durante os meses de abril e maio, o Governo Federal avançou no que tange à regulamentação das casas de apostas e jogos eletrônicos, através da Portaria Normativa SPA/MF nº 615/2024 (“Portaria nº 615”, disponível aqui) e da Portaria SPA/MF nº 827/2024 (“Portaria nº 827”, disponível aqui). Os principais pontos de cada uma delas você confere a seguir!
Portaria nº 615/2024
Publicada e em vigor desde 16 de abril de 2024, a Portaria nº 615 estabelece as regras gerais que devem ser observadas nas transações de pagamentos realizadas por agentes autorizados a operar a modalidade lotérica de apostas de quota fixa, no Brasil, nas modalidades virtual ou física.
A Portaria nº 615 apresenta uma série de regras que devem ser cumpridas pelos agentes autorizados a operar no setor. Nesse sentido, os aportes, retiradas de recursos financeiros pelos apostadores e pagamento de prêmios pelos agentes operadores aos apostadores devem ser realizados exclusivamente por meio de transferência eletrônica entre uma conta cadastrada (conta do apostador) e a conta transacional (conta do agente operador ou agente). Ademais, ambas as contas devem obrigatoriamente ser mantidas em instituições financeiras ou de pagamento autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (BCB).
Além disso, os agentes operadores não podem receber aportes financeiros por meio de dinheiro em espécie, boletos, cheques, ativos virtuais ou criptoativos, qualquer pagamento ou transferência não proveniente da conta cadastrada pelo apostador ou provenientes de terceiros, por meio de cartão de crédito ou outros instrumentos de pagamento pós-pagos, e qualquer outra alternativa que não PIX, TED, cartão de débito ou pré-pago e book transfer.
Não obstante, é expressamente vedado ao agente operador: a) permitir a realização de apostas sem prévia liquidação da transferência eletrônica; b) conceder, sob qualquer forma, adiantamento, antecipação, bonificação ou vantagem prévia, mesmo que a título de promoção, divulgação ou propaganda; c) firmar parceria, contrato, convênio ou qualquer outra forma de arranjo ou ajuste negocial que tenha por objetivo viabilizar ou facilitar o acesso a crédito ou a operação de fomento mercantil por parte do apostador; e d) promover ou permitir acesso, físico ou eletrônico, à pessoa física ou jurídica que conceda crédito ou realize operação de fomento mercantil a apostadores.
Com relação a conta transacional, ou seja, aquela de titularidade do agente operador, sua oferta é de exclusividade de instituições financeiras autorizadas a operar pelo BCB e tal conta deve permitir aos apostadores efetuarem aportes e retiradas perante o agente operador ou receber os valores de prêmios que lhes sejam devidos.
Já os recursos dos apostadores mantidos nas contas transacionais constituem patrimônio separado, que não se confunde com o patrimônio do agente operador e não respondem direta ou indiretamente por nenhuma obrigação do agente operador. Ainda, tais recursos não podem ser objeto de arresto, sequestro, busca e apreensão ou qualquer outro ato de constrição judicial em função de débitos de responsabilidade do agente. Não obstante, não compõem o ativo do agente operador para efeitos de falência, recuperação judicial ou extrajudicial, intervenção ou liquidação judicial ou extrajudicial. Por fim, não podem ser dados em garantia de débitos assumidos pelo agente.
Fica vedado ao agente operador utilizar os recursos dos apostadores mantidos na conta transacional, mesmo que de forma transitória, para cobertura de prêmios devidos ou outras despesas de sua responsabilidade.
Ademais, o agente operador poderá aplicar o saldo diário total ou parcial das contas transacionais, inclusive os valores correspondentes às apostas em aberto, em títulos públicos federais ou em operações compromissadas lastreadas em títulos públicos federais admitidos à negociação no Selic, com liquidez diária, junto à instituição financeira detentora da conta transacional do agente. Nesse sentido, fica vedada a aplicação dos saldos em qualquer investimento que não os anteriormente citados, bem como o compartilhamento dos ganhos com os apostadores.
Quanto à conta gráfica, ou seja, aquela que o agente deve disponibilizar ao apostador em seu sistema de apostas, essa deve permitir que o apostador gerencie suas operações e recursos, devendo informar, no mínimo: a) o histórico dos últimos trinta e seis meses dos aportes e retiradas, valores das apostas e prêmios recebidos; b) o valor das apostas em aberto e c) o saldo financeiro disponível.
Ponto importante é que fica vedado ao agente operador restringir a retirada do saldo financeiro disponível dos apostadores. Nesse sentido, após o apostador fazer a solicitação de retirada, o saldo deve estar disponível na conta cadastrada em até 120 minutos.
Com relação ao pagamento dos prêmios, estes devem ser efetuados por meio de transferência eletrônica para a conta previamente cadastrada de titularidade do apostador, em até 120 minutos do encerramento do evento objeto da aposta. Contudo, caso o apostador queira, tal prêmio poderá permanecer na conta transacional e ser usado para novas apostas perante o mesmo agente.
Caso os valores das apostas em aberto arrecadados em determinado evento real de temática esportiva sejam insuficientes para pagamento dos prêmios devidos ou sempre que houver aposta com prêmio a receber após uma sessão de jogo-online, o agente transferirá de sua conta proprietária para a conta transacional correspondente o montante necessário para o pagamento. Não obstante, caso o evento não ocorra, os valores apostados devem ser integralmente devolvidos aos apostadores.
Por fim, a Portaria nº 615 prevê medidas preventivas para o caso de insolvência ou iliquidez. Nesse sentido, o agente operador deve constituir reserva financeira destinada a garantir o pagamento de prêmios e demais valores devidos aos apostadores, no valor mínimo de R$ 5 milhões. Tal reserva será custodiada por instituição financeira autorizada a funcionar pelo BCB sob a forma de títulos públicos federais e deve ser mantida de modo apartado das contas transacionais e demais contas proprietárias de titularidade do agente.
Portaria nº 827
Posteriormente, no dia 22 de maio de 2024, foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria SPA/MF No. 827, que estabelece regras e condições para obtenção de autorização para exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa por agentes econômicos privados no Brasil.
A Portaria no. 827 condiciona a atuação dos agentes operadores de apostas à obtenção de prévia autorização expedida pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, a ser concedida exclusivamente às empresas constituídas sob a forma de sociedades anônimas ou sociedades de responsabilidade limitada brasileiras. Nesse sentido, tais empresas devem ter sede e administração no Brasil, podendo, ainda, ser de capital nacional ou subsidiárias de empresas estrangeiras, desde que tenham sócios brasileiros que detenham no mínimo vinte por cento de seu capital social. Não é elegível à obtenção de referida autorização de funcionamento qualquer pessoa jurídica com sede no exterior, mesmo que por meio de suas filiais, sucursais, agências ou escritórios de representação no Brasil.
A Portaria no. 827 define que cada autorização, de caráter personalíssimo, inegociável e intransferível, de exploração comercial das apostas esportivas será dada mediante (i) prévia análise satisfatória e rigorosa de capacidade econômico-financeira e idoneidade do requerente até o nível dos acionistas ou quotistas indiretos, (ii) pagamento do valor de R$ 30 milhões de reais para exploração de até 3 marcas comerciais durante o prazo de 5 (cinco) anos, sendo tal valor a pagar acrescido se houver interesse em explorar marcas comerciais adicionais, bem como valores de patrimônio líquido mínimo e constituição de reservas financeiras serão requeridos, (iii) obrigatoriedade de informar quaisquer reorganizações societárias no grupo da requerente e prover documentação pertinente para reanálise da autorização, e (iv) regularidade fiscal e trabalhista, entre outras condições.
A Portaria nº 827 entra em vigor em 1 de janeiro de 2025. As casas de apostas esportivas em funcionamento no Brasil terão o prazo até 31 de dezembro de 2024 para se adequar às novas regras da Portaria no. 827, sendo sujeitas às penalidades cabíveis após esta data.
Assim, ambas as Portarias demonstram um primeiro passo importante no cenário regulatório jurídico brasileiro, vez que instituem regras para o funcionamento das casas esportivas. Mais do que isso, estabelecem uma maior segurança jurídica para os apostadores, que agora passam a contar com mecanismos de fiscalização, regras de pagamento e recebimento de prêmios. O surgimento e popularização das “bets” no Brasil ao longo dos últimos anos, por si só, demonstram porque uma regulamentação é tão necessária – dados recentes (disponíveis aqui) mostram que (i) o Brasil tem quase 25% dos acessos a casas de aposta online em todo o mundo; (ii) é um mercado que movimenta cerca de R$ 150 bilhões por ano no país; (iii) a maior parte das casas que operam no Brasil tem sede no exterior; e (iv) existem cerca de 450 sites ativos no Brasil. Ambas as Portarias, assim, são um avanço importante para a regularização do setor.