“Marco Legal das Garantias” entra em vigor
“Marco Legal das Garantias” entra em vigor
Em 30 de outubro de 2023 foi sancionada com vetos e entrou em vigor a Lei nº 14.711/2023, que, dentre outras coisas, ficou conhecida como o “Marco Legal das Garantias”, uma vez que promove alterações significativas nas regras gerais das garantias, especialmente em relação à alienação fiduciária e à hipoteca. Dentre as inovações, destacam-se a figura do “agente de garantias”, a extensão da hipoteca e da alienação fiduciária para mais de uma obrigação e a execução extrajudicial da hipoteca.
Confira abaixo as principais mudanças!
Agente de garantias
O artigo 3 da Lei nº 14.711/2023 institui um novo capítulo no Código de Processo Civil, intitulado de “Do Contrato de Administração Fiduciária de Garantias”. Com essa nova previsão, qualquer garantia poderá ser constituída, levada a registro, gerida e ter a sua execução pleiteada por um agente de garantias.
Tal agente (i) será designado pelos credores da obrigação garantida, (ii) atuará em nome próprio e em benefício dos credores, inclusive em ações judiciais, (iii) poderá executar extrajudicialmente a garantia, quando assim for possível, e (iv) terá dever fiduciário em relação aos credores, respondendo a estes por todos os seus atos. Fica vedada, ainda, qualquer cláusula que afaste essa regra em desfavor do devedor ou do terceiro prestador da garantia, conforme o caso.
É possível, ainda, substituir o agente de garantias, desde que tal substituição seja feita (i) por decisão do credor único ou dos titulares que representem a maioria simples dos créditos garantidos, e (ii) publicamente, pela mesma forma ou meio através do qual se publicizou a garantia.
Quanto ao produto da realização da garantia, (i) enquanto este não for transferido para os credores, constituirá patrimônio separado do patrimônio do agente de garantias, de modo que as garantias administradas por ele não poderão ser utilizadas para satisfazer obrigações devidas pelo próprio agente de garantias; (ii) este patrimônio separado não poderá responder por suas obrigações por até 180 dias da data de seu recebimento, e (iii) após receber o valor referente a tal produto, o agente deverá efetuar o pagamento aos credores em até 10 dias úteis.
Por fim, o agente de garantias poderá, ainda, manter, paralelamente, contratos com o devedor, desde que agindo de boa-fé, para: (i) pesquisar ofertas de crédito mais vantajosas; (ii) auxiliar nos procedimentos necessários à formalização de contratos de operações de crédito e garantias reais; (iii) intermediar a resolução de questões relativas aos contratos de operações de crédito ou às garantias reais; e (iv) prestar quaisquer outros serviços que não sejam vedados em lei.
A figura do agente de garantias, muito conhecida nas transações financeiras regidas pelo direito anglo-saxão, facilitará enormemente a constituição de garantias e a concessão de crédito, especialmente para os credores estrangeiros, sem presença no Brasil.
Alienação Fiduciária sobre Imóveis
A Lei nº 14.711 trouxe inovações importantes no regime jurídico da alienação fiduciária de imóvel em garantia da Lei nº 9.514/97, trazendo mais segurança jurídica ao uso deste instituto e flexibilidade nas negociações entre agentes privados.
Alienações fiduciárias sucessivas sobre imóveis
Dentre estas inovações, destaca-se a permissão expressa da constituição da alienação fiduciária da propriedade superveniente, que consiste na constituição de mais de uma alienação fiduciária condicional sobre o mesmo imóvel em diferentes graus, sendo cada alienação fiduciária superveniente eficaz quando do cancelamento da alienação fiduciária previamente constituída. A alienação fiduciária superveniente é condicional, pois o fiduciante somente deterá a propriedade plena do imóvel novamente após a extinção da alienação fiduciária vigente. Interessante notar que neste caso a própria Lei nº 9.514/97, conforme alterada, prevê o inadimplemento cruzado (cross-default) entre obrigações garantidas por alienação fiduciária sobre o mesmo imóvel, ou seja, o credor que tiver mais de uma dívida garantida pelo mesmo imóvel alienado fiduciariamente terá a faculdade de declarar o vencimento antecipado de todas as obrigações garantidas caso ocorra o inadimplemento de qualquer das obrigações garantidas pelo mesmo imóvel. Entretanto, esta possibilidade deve ser expressamente prevista no instrumento constitutivo da alienação fiduciária e, caso o credor pretenda exercer esta faculdade, deverá informar o devedor através de notificação realizada pelo oficial do Registro de Imóveis competente. Esta faculdade ao credor de valer-se do cross default também se aplica à alienação da propriedade fiduciária superveniente.
Não quitação da dívida em caso de lance inferior ao valor dívida
Além disso, a Lei nº 14.711 aperfeiçoou a redação de alguns dispositivos importantes na Lei nº 9.514/97, trazendo mais segurança jurídica e flexibilidade ao uso do instituto da alienação fiduciária. Dentre estas, a principal foi a aprimoração da redação do art. 27 da Lei nº 9.514/97. Anteriormente, o § 5º deste artigo previa que se no segundo leilão o maior lance oferecido for inferior ao valor das dívidas, a dívida seria considerada extinta.
Esta disposição gerou um debate jurisprudencial e trazia insegurança jurídica nos casos em que o valor do imóvel dado em garantia é inferior ao valor da dívida, uma vez que caso executasse a garantia, o credor poderia perder o direito a cobrar os seus créditos que excedessem o maior lance oferecido. Esta situação foi resolvida com a introdução do § 5º-A, que determina que nestes casos o devedor continuará obrigado pelo pagamento do saldo remanescente, exceto no caso dos financiamentos para aquisição ou construção de imóvel residencial, em que será mantido o regime anterior.
Extensão da alienação fiduciária sobre imóvel:
A Lei nº 14.711 incluiu na Lei nº 13.476 a previsão da possibilidade da instituição da chamada “extensão da alienação fiduciária”, que consiste no uso da garantia de alienação fiduciária sobre imóvel já constituída em relação a uma dívida anterior para garantir uma nova dívida, mediante simples averbação do instrumento de extensão, e sem a necessidade de constituição de novo instrumento de garantia.
Para tanto, é necessário que a nova dívida a ser contratada seja com o mesmo credor fiduciário da dívida anterior e que o bem dado em garantia não garanta outras dívidas de outros credores. Portanto, a existência de uma eventual alienação fiduciária superveniente sobre um imóvel impede a extensão da alienação fiduciária sobre o mesmo. Além disso, a extensão da alienação fiduciária somente poderá ser celebrada no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e nas operações com Empresas Simples de Crédito. Esta extensão será constituída por meio de instrumento particular ou público, que deverá ser averbada no cartório de registro de imóveis competente, e: (i) será limitada ao valor da dívida anterior efetivamente do amortizado pelo devedor, e (ii) o prazo da garantia fiduciária estendida não poderá exceder o prazo da garantia fiduciária original.
Aprimoramento do regime do leilão
Outra inovação importante ainda foi a flexibilização do regime do segundo leilão para venda do bem imóvel alienado fiduciariamente. Enquanto anteriormente a Lei nº 9.514/97 previa que caso não fosse obtido um lance superior ao valor de avaliação do bem no primeiro leilão, no segundo leilão seria aceito lances superiores ao valor da dívida. Com as mudanças promovidas pela Lei nº 14.711, passou a ser possível no segundo leilão um lance de pelo menos metade do valor de avaliação do bem, o que pode ou não ser aceito a critério do credor.
Destaca-se ainda que a redação dos requisitos do instrumento de constituição da alienação fiduciária foi aprimorada para permitir que seja mencionado não apenas o valor da dívida, mas também sua estimação ou seu valor máximo.
Outras disposições
A Lei nº 14.711 trouxe também previsões importantes para dar segurança ao credor nos casos em que é difícil a localização do devedor, o que é relevante considerando a necessidade de intimação pelo oficial do Registro de Imóveis competente para a consolidação e execução extrajudicial da propriedade na alienação fiduciária em garantia. Em relação a isto, foi estabelecido que é responsabilidade do devedor informar ao credor caso seu domicílio seja alterado, além de dispor sobre o procedimento a ser adotado caso o devedor não seja encontrado ou se encontre em lugar inacessível.
Ainda, a Lei nº 14.711 incluiu na Lei nº 9.514/97 um trecho que dispõe que a existência de outros direitos reais de garantia sobre o bem, bem como outras constrições e arrestos, não impedem a consolidação da propriedade e execução forçada da garantia, o que traz ainda mais segurança jurídica ao instituto e protege os interesses dos credores fiduciários caso o devedor tenha constituído mais de uma garantia sobre o mesmo imóvel. A referida Lei dispôs ainda a possibilidade de excussão simultânea ou sucessiva de diversos imóveis dados em garantia de uma mesma dívida, quando o instrumento de alienação fiduciária não determinou qual imóvel garante qual proporção da dívida.
E finalmente, a Lei nº14.711 alterou a Lei nº 9.514/97 permitindo ao credor fiduciário escolher um Oficial de Registro de Imóveis de uma circunscrição apenas para intimar o alienante fiduciante para purgação da mora, nos casos de vários imóveis alienados fiduciariamente para garantia a mesma dívida com o mesmo credor fiduciário. Este dispositivo legal certamente trará maior celeridade na excussão dos imóveis alienados fiduciariamente em garantia, e maior eficácia na recuperação do crédito.
Hipoteca
Já com relação a hipoteca, importantes alterações e inovações foram feitas, dentre as quais destacam-se as seguintes:
Vencimento de obrigações
Com a inclusão do §2º ao artigo 1.477 do Código Civil, o credor passou a ter a faculdade de declarar vencidas as demais obrigações de que for titular, quando o devedor se tornar inadimplente em relação as obrigações garantidas por hipoteca, desde que garantias pelo mesmo imóvel. Anteriormente, tal prática não era possível.
O artigo 1.478 do Código Civil também teve sua redação alterada, passando o credor hipotecário que efetuar pagamento das dívidas garantidas pelas hipotecas anteriores a sub-rogar seus direitos, sem prejuízo dos que lhe competirem contra o devedor comum. Anteriormente, a redação de tal artigo limitava tal pagamento ao credor da segunda hipoteca.
Extensão de hipoteca
De forma semelhante com o que ocorreu com a alienação fiduciária, inclui-se o artigo 1.487-A no Código Civil, que passou a expressamente prever a chamada “extensão da hipoteca”, ou seja, a requerimento do proprietário, a hipoteca poderá ser expandida para garantir novas obrigações, desde que (i) em favor do mesmo credor, (ii) mantidos o registro e a publicidade originais, (iii) respeitada a prioridade de direitos contraditórios ingressos na matrícula do imóvel.
Ainda com relação a extensão da hipoteca, vale ressaltar que: (i) esta não poderá exceder o prazo e o valor máximo garantidos originalmente, (ii) deverá ser averbada na matrícula do imóvel, assegurando a preferência creditória em favor: a) da obrigação inicial, em relação às obrigações alcançadas pela extensão da hipoteca; e b) da obrigação mais antiga, no caso de mais de uma extensão. Não obstante, caso haja multiplicidade de credores garantidos pela mesma hipoteca estendida, apenas o credor titular do crédito mais prioritário poderá promover a execução judicial ou extrajudicial da garantia, salvo se convencionado diversamente pelos credores.
Execução extrajudicial
O Capítulo III da Lei nº 14.711/2023 tratou especificamente da execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca, dentre as novidades, destacam-se:
a) Prazo de 15 dias para que o devedor e o terceiro hipotecante, se for o caso, purguem a mora, ainda que esta seja parcial, a contar da intimação pessoal, que deverá ser feita a requerimento do credor ou de seu cessionário, pelo oficial de registro de imóveis da situação do imóvel hipotecado;
b) Se a mora não for purgada em tal prazo, fica autorizada o início do procedimento de execução extrajudicial da hipoteca, o que será feito por leilão público e deverá ser previamente averbado na matrícula do imóvel;
c) Após a averbação, o credor terá 60 dias para promover o leilão público, que poderá ser realizado por meio eletrônico, devendo o devedor e o terceiro hipotecante, se for o caso, serem informados acerca da data, horário e local do leilão;
d) Caso o lance seja inferior ao valor do imóvel (estabelecido no contrato ou o valor da avaliação), um segundo leilão deverá ocorrer no prazo de 15 dias;
e) No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor integral da dívida garantida, das despesas, inclusive emolumentos cartorários, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, incluindo tributos e contribuições condominiais;
f) Caso o maior lance não atinja tal valor, o credor hipotecário poderá aceitá-lo, desde que o valor do lance corresponda, no mínimo, a metade do valor de avaliação do bem;
g) O devedor ou, se for o caso, o prestador da garantia, tem o direito de remir a execução, desde que antes do bem ser alienado em leilão e mediante pagamento integral da dívida, acrescido das despesas com o leilão;
h) Se o lance para arrematação for superior ao valor total da dívida, acrescida das despesas com o leilão, o excedente será entregue ao hipotecante;
i) Se o lance no segundo leilão for inferior ao referencial disposto no item (e) acima, o credor terá a faculdade de: (i) apropriar-se do imóvel em troca do pagamento da dívida, a qualquer tempo; (ii) realizar, em até 180 dias a contar do último leilão, a venda direta do imóvel a terceiro, por valor não inferior a referencial do item (e). No caso do item (ii), o credor ficara investido de mandato irrevogável para representar o garantidor, com poderes para transmitir domínio, direito, posse e ação, manifestar a responsabilidade do alienante pela evicção e imitir o adquirente na posse.
j) Caso não seja suficiente o produto da excussão da garantia hipotecária para o pagamento da dívida, integralmente, e das demais despesas previstas no item (e), no caso de operações de financiamento para a aquisição ou a construção de imóvel residencial do devedor, o devedor ficará exonerado da responsabilidade pelo saldo remanescente;
k) Nas questões referentes a desocupação, aplicam-se as disposições previstas para o caso de execução extrajudicial de alienação fiduciária.
Outra observação importante é que a execução extrajudicial da hipoteca não se aplica às operações de financiamento da atividade agropecuária. Além disso, para que a execução extrajudicial ocorra, o título constitutivo deve conter, como requisito de validade, expressa previsão de tal procedimento.
A Lei encontra-se disponível, na íntegra, clicando aqui.