Padronização da atualização monetária e juros: lei altera código civil
Os temas dos juros moratórios, correção monetária e aplicabilidade da Lei da Usura podem ser considerados um dos mais debatidos e controvertidos na doutrina e jurisprudência do Direito Financeiro e Bancário brasileiro.
Finalmente, no último dia 28 de junho foi sancionada a Lei nº 10.406/2024 (“Lei”), que parece encerrar a controvérsia sobre tais temas e dispõe sobre atualização monetária e juros, alterando o Código Civil a partir de 1 de setembro de 2024.
Com relação ao inadimplemento de obrigações, inseriu-se o parágrafo único ao artigo 389, estabelecendo que, não cumprida a obrigação financeira, o devedor deverá pagar, além de perdas e danos, juros e honorários do advogado (este anteriormente não previsto) e atualização monetária, aplicada a variação do IPCA (ou o índice que o substituir), sempre que o índice de atualização monetária não for convencionado ou já estiver previsto em lei específica.
Já com relação aos juros moratórios ou juros legais, a nova Lei estabelece que quando estes não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, estes serão fixados de acordo com a taxa legal. Nesse sentido, o texto estabelece que taxa legal é a taxa Selic, deduzido o IPCA.
Não obstante, a metodologia de cálculo e forma de aplicação da Selic ainda serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e divulgadas pelo Banco Central do Brasil (BCB). Caso o resultado da Selic seja negativo, este será considerado zero para efeitos de cálculo dos juros moratórios no período de referência.
A Selic ainda aplicar-se-á aos juros (quando não pactuada a taxa), nos seguintes casos: a) no mútuo para fins econômicos; e b) ao condômino que não pagar sua contribuição mensal.
Por fim, a Lei prevê a não aplicação do Decreto nº 22.626/1933, conhecido como “Lei da Usura”, a determinadas obrigações, tais como aquelas (i) contratadas entre pessoas jurídicas; (ii) representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários; (iii) contraídas perante instituições financeiras ou outras autorizadas a funcionar pelo BCB, fundos ou clubes de investimento, sociedade de arrendamento mercantil, empresas simples de crédito e organizações da sociedade civil de interesse público que se dedicam a concessão de crédito; ou (iv) realizadas nos mercados financeiro, de capitais ou de valores mobiliários.
Assim, houve padronização das taxas usadas para atualização monetária e juros legais, além do fim de qualquer dúvida sobre a inaplicabilidade da Lei da Usura nos casos acima.
A nova Lei traz novidades a uma longa discussão que remonta desde a entrada em vigor do novo Código Civil em 2002 sobre os juros de mora aplicáveis ao inadimplemento de obrigações. Nesse sentido, cabe fazer uma distinção entre os juros compensatórios, que remunera o credor pelo capital, e juros moratórios, que tem por finalidade indenizar o credor em caso de inadimplemento.
Antes da Lei, o Código Civil de 2002 previa que “quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”, revogando o então vigente Código Civil de 1916, que fixava a taxa de juros em 6% ao ano [1].
Com o advento do Código Civil de 2002 surgiram acirradas discussões sobre qual seria a taxa de juros aplicável. Inicialmente cogitou-se aplicar a Selic, mas por diversos motivos, as discussões doutrinárias afastaram esse entendimento e convencionou-se que a taxa legal de juros aplicável seria a do artigo 161, parágrafo 1º, do CTN, ou seja, 1% ao mês.
Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça, na I Jornada de Direito Civil ocorrida em 2002, editou o seguinte enunciado: “Enunciado 20 [2]: A taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 é a do artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês”, sob justificativa de que “a utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil [3], que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a doze por cento ao ano. (I Jornada de Direito Civil).”
Posteriormente, o artigo 192, parágrafo 3° da Constituição Federal foi revogado pela Emenda Constitucional n° 40/03 [4], persistindo, no entanto, os demais motivos para não aplicação da Selic.
Assim, resta saber como será a metodologia de cálculo e a aplicação da Selic a serem definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de forma a garantir a segurança jurídica das relações.
[1] Código Tributário Nacional. Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual fôr o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
[2] i-jornada-de-direito-civil.pdf (cjf.jus.br)
[3] Código Civil. Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
[4] Emenda Constitucional 40 de 2003. Art. 2°- O art. 192 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.
I – (Revogado)
II – (Revogado)
III – (Revogado)
a) (Revogado)
b) (Revogado)
IV – (Revogado)
V -(Revogado)
VI – (Revogado)
VII – (Revogado)
VIII – (Revogado)
§ 1°- (Revogado)
§ 2°- (Revogado)
§ 3°- (Revogado)” (NR)
Referências bibliográficas
Consultor Jurídico. Como ficam os juros com o novo Código Civil de 2002 (conjur.com.br), Paulo Eduardo Razuk; Denise Zanutto Tonelli. Disponível em https://www.conjur.com.br/2005-out-11/ficam_juros_codigo_civil_2002/
Migalhas. Juros de mora e desproteção de pessoas em vulnerabilidade: Análise inicial da lei 14.905/24, Elisa Cruz. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-das-civilistas/411136/juros-mora-e-desprotecao-de-pessoas-em-vulnerabilidade-lei-14-905-24